A julgar pelo número de pessoas que têm suas vidas afetadas por transtornos mentais – cerca de 400 milhões em todo o mundo – e pelas projeções da Organização Mundial de Saúde (OMS), o futuro não será leve para o nosso cérebro: uma em cada cinco pessoas, em algum momento da vida, terá uma alteração psiquiátrica que necessite de acompanhamento especializado.
A OMS projeta que em oito anos a depressão será a segunda causa de incapacitação para o trabalho, provocando a perda de anos produtivos – hoje ela está em quarto lugar.
O crescimento do número de pessoas diagnosticadas com depressão e outros transtornos mentais, como ansiedade e pânico, acontece por uma combinação de fatores: de alterações biológicas à herança genética, passando pelo estilo de vida excessivamente atarefado, pela queda de preconceitos diante das doenças mentais e pelas técnicas mais avançadas de diagnóstico.
“É simplista dizer que a causa é [somente] biológica, psicológica ou social. Esses termos não levam em conta a interação entre esses mundos. Acredita-se que exista uma propensão biológica que, aliada a fatores estressantes e precipitadores [situações de trauma], pode levar ao desenvolvimento de doenças mentais”, explica o assessor do Ministério da Saúde e da OMS Neury José Botega, professor do departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Dados mostram que 18,4% dos brasileiros têm pelo menos um episódio depressivo durante a vida, o que coloca o país na terceira colocação no ranking de mais deprimido do mundo (ver infográfico) – em primeiro lugar vem a França (21%) e, em segundo, os Estados Unidos (19,2%). Apesar dos números alarmantes, os profissionais da saúde explicam que interpretá-los como um sinal de epidemia de doenças mentais é incorreto.
O professor explica que não sofremos apenas dos males do corpo ou de "doenças físicas", mas também somos acometidos pelos males da mente que, apesar de serem menos palpáveis, demadam cuidados médicos. "Dizer com certo desprezo 'você não tem nada, isso é coisa da sua cabeça', só faz aumentar o sofrimento de uma pessoa que tem um problema para o qual a medicina não tem remédio fácil", alerta o professor da Unicamp.
Estudo com 89 mil pessoas de 18 paises mostra que as nações ricas têm mais depressão do que as pobres - mas o Brasil aparece em terceiro no ranking (veja a lista aqui).
Detecção tem seus prós e contras
Nos consultórios, duas listas de de classificação de doenças, o Código Internacional de Doenças (CID-10) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM-IV), na sigla em inglês) permitem aos psiquiatras avaliar os sintomas de seus pacientes. Apesar de serem úteis para o diagnóstico de transtornos mentais, porém, os manuais não estão livres de críticas. "Ambos tentam encaixar os pacientes em categiorias, em vez de trabalhar os problemas de forma individual. Eles não levam em consideração o todo, a história das pessoas", analisa o psiquiatra e presidente da Sociedade Paranaense de Psiquiatria (SPP), André Rotta Burkiewicz.
O americano DSM, publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, é alvo de críticas porque a cada edição, ao revisar os critérios de transtornos mentais, coloca novos comportamentos nessa categoria. A quinta edição do DSM, a ser lançada em 2013, poderá incluir o luto – considerado um período de tristeza normal que dura cerca de dois a três meses – como uma situação característica da depressão. Isso levaria milhares de pessoas a serem diagnosticadas com a doença. Em sua primeira edição, em 1952, o DSM listava 106 doenças, contra 297 da última publicação, feita em 1994.
“A padronização ajudou a melhorar o processo de atendimento, pois antigamente as pessoas sofriam de depressão a vida toda e não recebiam o tratamento adequado, mas ela também pode levar a um excesso de diagnósticos”, pondera o supervisor do Ambulatório de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Gustavo Manoel Schier Dória.
“É um erro confundir tristezas normais da vida, como reações após perdas ou frustrações, com a depressão. O diagnóstico deve ser feito com cuidado, com avaliação da história clínica, registro dos principais sinais e sintomas e sua persistência ao longo do tempo, além do impacto do quadro na rotina da pessoa”, exemplifica o professor Neury José Botega, do departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
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